terça-feira, 13 de abril de 2010

Bicentenário do nascimento de Alexandre Herculano

Poeta, romancista e historiador, Alexandre Herculano nasceu há 200 anos, a 28 de Março de 1810.
A maior influência de Herculano na cultura portuguesa é como historiador, e para o seu esforço de conferir à investigação histórica características de rigor científico muito terá contribuído a circunstância de desde novo ter frequentado bibliotecas públicas e de ele próprio ter exercido o cargo de Bibliotecário-mor das Bibliotecas da Ajuda e das Necessidades, vivendo e trabalhando perto das fontes que lhe fundamentaram o estudo.
Esse mesmo desígnio de rigor na investigação terá levado Herculano ao trabalho de recolha de lendas e narrativas tradicionais, de que “A Dama Pé-de-Cabra” faz parte, aí se inscrevendo um esforço de conhecimento exaustivo do imaginário popular, dos seus ingredientes, das suas variantes e, até, da sua carga poética, como componente não despicienda, antes complementar, da compreensão da identidade nacional, desde que fundamentada em factos e fontes documentais. Não deixando, pois, de se servir também desses textos de ficção como testemunhos de um património escrito e porventura oral da sabedoria popular ou dos seus fantasmas, Alexandre Herculano rejeitou porém, por princípio, a legitimidade de se fazer história na base de qualquer forma de manipulação de tais ingredientes menos passíveis de comprovação científica – atitude e escrúpulo que justamente o identificaram e de algum modo positivamente isolaram para a historiografia moderna em Portugal.

A Dama Pé de Cabra


Vós os que não credes em bruxas, nem em almas penadas, nem nas tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes, senhor de Biscaia.
E não me digam no fim: "Não pode ser." Pois eu sei cá inventar cousas destas? Se a conto, é porque a li num livro muito velho, quase tão velho como o nosso Portugal. E o autor do livro velho leu-a algures ou ouviu-a contar, que é o mesmo, a algum jogral em seus cantares.
É uma tradição veneranda; e quem descrê das tradições lá irá para onde o pague.
Juro-vos que, se me negais esta certíssima história, sois dez vezes mais descridos do que S. Tomé antes de ser grande santo. E não sei se eu estarei de ânimo de perdoar-vos, como Cristo lhe perdoou.
Silêncio profundíssimo; porque vou principiar.
D. Diogo Lopes era um infatigável monteiro: neves da serra no Inverno, sóis dos estevais no Verão, noites e madrugadas, disso se ria ele.
Pela manhã cedo de um dia sereno, estava D. Diogo em sua armada, em monte selvoso e agreste, esperando um porco-montês, que, batido pelos caçadores, devia sair naquela assomada.
Eis senão quando começa a ouvir cantar ao longe: era um lindo, lindo cantar.
Alevantou os olhos para uma penha que lhe ficava fronteira: sobre ela estava assentada uma formosa dama: era a dama quem cantava.[…]

In HERCULANO, Alexandre. Lendas e narrativas, volume II, prefácio e revisão de Vitorino Nemésio, verificação do texto e notas de António C. Lucas, Lisboa, Bertrand, 1970, pp. 21-28.

Fonte: http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugu%C3%AAs/noticiasEventos/Paginas/BICENTEN%C3%81RIODONASCIMENTODEALEXANDREHERCULANO.aspx

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